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Por Angelica Tomassini e Nívea Martins 

Aldiza Soares

Filha de nordestinos que vieram para Brasília -DF para tentar uma vida melhor, Aldiza Soares é exemplo de compaixão e amor ao próximo. Na entrevista deste mês para a série “Mulheres que Inspiram”, Aldiza conta sobre o seu despertar para a militância através do olhar para as comunidades. Sua luta se mistura à história dos programas de assistência por meio  da Pastoral da Criança e Fundação Grupo Esquel, posteriormente lutando politicamente através da Plataforma MROSC.

Como surgiu sua luta por direitos humanos, seu desejo de lutar junto aos movimentos sociais, organizações?

Aldiza: Entrei na universidade com 17 anos e queria começar a trabalhar para minha independência pessoal. Fui trabalhar no comércio e conheci a vida como ela é, nada fácil. Depois, uma amiga me chamou para participar de um processo seletivo para o cargo de secretária para a assessoria nacional da  Pastoral Social. Foi através da Pastoral da Criança que comecei a me envolver na luta e militância pelos Direitos Sociais.

Por volta de 2010, a direção da Pastoral me convidou a participar  do processo de elaboração do  programa de captação de água de chuva para a região semiárida  do nordeste. O programa é uma iniciativa da sociedade civil, que se uniu para construir um milhão de cisternas. As cisternas são reservatórios de 16 mil litros, usados para captar água de chuva para consumo humano. 

Já na Fundação Esquel, através do programa “Um Milhão de Cisternas” que conheci a realidade do semiárido Brasileiro. Para as famílias do semiárido, a cisterna é a única forma de ter água para beber, cozinhar e plantar. Comecei a ter contato com organizações de base e principalmente com as comunidades, com as famílias e as crianças que sofrem com a falta de água potável. O programa Um Milhão de Cisternas mudou minha vida, meu olhar. Ver a mudança na vida daquelas famílias me deu impulso para seguir o caminho que estava trilhando. Conseguir fazer parte da melhoria e da vida de muitos brasileiros e brasileiras é muito gratificante. Nessa época conheci o Silvio Sant’ana, com quem aprendi e aprendo muito, por ser uma pessoa solidária e amada por mim. 

  • Quais foram as principais mudanças notadas na sociedade entre agora e na época em que você começou ?

Aldiza: 

Ao se comparar a época em que entrei na Pastoral da Criança, e o momento atual, vejo que os movimentos estão passando por um momento ruim, de coerção e criminalização. Na década de 2000, os movimentos conseguiram avançar um pouco na defesa dos direitos e na possibilidade de lutar e dialogar saudavelmente com o poder público. Porém, a partir de 2016, temos assistido a um retrocesso pior do que era antes de 2000.

O pior desse cenário é que sabemos que essa crise naturalmente se estenderá. Por mais que a gente mude o governo federal nas próximas eleições, as sequelas da crise ficarão sangrando e doendo por alguns anos, para não  falar  décadas. 

  • Diante do cenário atual, que muitas vezes se mostra desanimador, o que te estimula a continuar?

Aldiza: Eu sou estimulada por minha responsabilidade, não por minha esperança, pois diante desse cenário atual, muitas vezes o sentimento é de desânimo. Mas não posso pensar apenas por mim, tenho que pensar na minha responsabilidade de ser porta-voz das pessoas que são invisibilizadas ou daquelas lideranças que muitas vezes são perseguidas.

Então eu não posso endurecer minha esperança pelos meus sentimentos. Pela minha responsabilidade eu tenho obrigação de ir para frente.

  • Quais são os obstáculos que você enfrentava antes comparados com os de agora? Durante algum momento da sua vida, você já pensou em desistir?

    Aldiza durante palestra em evento da plataforma MROSC em Brasília. Foto: acervo pessoal.

Aldiza: Foram vários momentos de desilusão total, e às vezes bate aquela vontade de deixar tudo para lá, mas não dá porque sabemos que tem pessoas que confiam em nós. O primeiro dia do governo federal atual para mim foi um pesadelo, eu fiquei pensando o que a militância  estava fazendo, pois nós somos responsáveis pela defesa dos direitos e, de certa forma, não fizemos muita coisa para que essa proposta de governo fosse eleita.. Ver uma campanha daquela, e ser eleita, para mim foi uma derrota e foi a confirmação que tempos sombrios iam chegar, e ainda nem se falava de pandemia naquele ano. 

Para mim o girar da chave da derrota  foi aquele momento que o governo atual ganhou. Eu não acreditava que era possível, chorei muito e tinha muito medo do que poderíamos passar e de não ter força de lutar. Mas ainda bem que nós não estamos sozinhos, que tem muitas pessoas que lutam conosco.

  •  Quais são as suas principais influências?

Minha grande influência é minha mãe, não seria a pessoa quem sou hoje se não tivesse a presença dela na minha vida. 

Minhas influências profissionais são Silvio Sant’ana e Nelson Arns. O Silvio me ensinou a ser gente diferente, é uma pessoa que me inspirou em tudo mesmo. Quando fui trabalhar com ele, ele me deu quatro livros de economia para ler  e me disse, “depois a gente conversa”. Eu fiquei apavorada sem entender nada, e pensei que precisava de usar a imaginação para conversar com ele. Mas daí nossa amizade foi nascendo e para mim ele virou uma fonte de inteligência, humanidade, capacidade de resolver problemas com inteligência e capaz de projetar situações usando dados econômicos Eu nunca vi ninguém como ele, e sou grata a Deus que colocou ele na minha vida. 

Outra pessoa que me inspirou é Nelson Arns, Coordenador da Pastoral da Criança, outra fonte de inteligência e capacidade em prol do desenvolvimento infantil. Contagia pela energia, firmeza e determinação.

  • Como você concilia sua vida particular, familiar e seu trabalho e militância? Você acredita que é possível separar as duas coisas?

Aldiza com seu filho Gabriel e sua mãe Alzira. Foto: Acervo pessoal

Aldiza: É muito complicado. A maternidade me fez pensar em largar a militância, pois já estava separada e precisava priorizar o meu filho. 

Eu comecei a viajar quando Gabriel tinha dois anos. Na época fiquei muito preocupada.Tinha uma pessoa que me ajudava e minha mãe morava perto de nós. Lembro uma vez que viajei para Recife, assim que cheguei no hotel ele me ligou chorando e dizendo que estava com muita dor de dente. Eu preocupada, liguei para a dentista pediatra, mas minha mãe me contou que assim que ele desligou a chamada comigo, começou sorrir.

O Gabriel sofria muito por minhas viagens e até hoje ele me lembra que em um ano ele contou quantas viagens eu fiz, e que foram 47. O que me fez seguir em frente foi uma fala da pediatra que me disse: que eu deveria tornar os momentos com meu filho os melhores e os mais marcantes, pois mesmo com minha ausência física, eu estaria presente na vida dele. Então mesmo sendo complicado eu continuei..

O trabalho é tão intenso e gratificante que vale a pena. O difícil das mães trabalhadoras é achar um equilíbrio e ter momentos tão marcantes com nossos filhos para que a ausência física não se torne ausência emocional. 

Continuar a trabalhar depois da maternidade foi muito difícil, mas eu vejo hoje ele, com 24 anos, com essências e valores que se eu não tivesse me envolvido nesta luta, ele não seria a pessoa que é. A herança que eu deixo para ele é saber que ele também pode mudar o mundo fazendo o bem. 

  •  Qual conselho você daria para quem está começando na luta nos movimentos sociais e militância? 

Aldiza: A primeira coisa que eu quero dizer é que não se fale sem conhecimentos de causa. Que os jovens estudem, conheçam porque não podem ser pegos de surpresa. Antes de sustentar uma bandeira, qualquer que seja, precisamos conhecê-la de fato, pois no momento que suspendemos uma bandeira somos responsáveis por ela, e precisamos defendê-la com inteligência e conhecimentos.   

A segunda é saber lidar em momentos de crise, ter um equilíbrio nos momentos de conflitos para conseguir avançar com razão e astúcia.  E o último, mas não menos importante, o respeito a qualquer pessoa, a qualquer situação e a qualquer valor por mais difícil que seja para aceitá-lo do nosso ponto de vista. 

  • Qual é o seu modelo de futuro?

Aldiza: Meu modelo de futuro é onde todos pudessem ser respeitados e terem condições de viver com saúde, educação, segurança, cultura e lazer. O mundo perfeito é   poder prescindir das forças armadas, viver em  um mundo de paz, onde todos fossem responsáveis pelo bem estar de todos. 

  • Quando você começou a se envolver na luta política do Mrosc?

Aldiza: Quando começou a campanha eleitoral em 2010, cada segmento da sociedade apresentava sua própria reivindicação, porém não tinha nenhum movimento da sociedade civil se articulando. Então, reunimos um grupo na Fundação Esquel e outras entidades e foi elaborada a proposta da Plataforma pelo Novo Marco Regulatório para as OSC reivindicando um ambiente favorável e favorecido para a atuação das OSC pois acreditamos que quanto mais fortalecidas estão as OSC mais fortalecida estará a democracia do Brasil. 

Os desafios vivenciados nesse processo de 2010 a 2022 foram imensos, foi uma luta que nos requereu muita persistência para que a Plataforma não fosse para outro viés que não era o que foi proposto. Hoje percebemos a Plataforma mais robusta, mais articulada e organizada e me orgulho de ter participado dessa caminhada.

  • Quais livros ou filmes você indica? (Indique 2) 

Livros

  • Bíblia Sagrada 
  • Pequeno Príncipe – Antoine de Saint-Exupéry

Filme:

  • A busca da felicidade – Muccini

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