Mulher forte e determinada, mãe, assistente social, diretora executiva da Mais Social e integrante da Plataforma MROSC Pernambuco. Erika Correia é a protagonista da campanha Mulheres que Inspiram deste mês. Em nossa entrevista, a pernambucana conta sobre o seu olhar para a transformação de uma sociedade mais justa e igualitária.
- Como surgiu sua luta por direitos humanos, seu desejo de lutar junto aos movimentos sociais, organizações?
Gosto de dizer que não fui eu que escolhi atuar na área social, mas foi ela que me escolheu!
Sou filha de costureira, que ficou viúva muito jovem, e não tínhamos referência política. Minha mãe criou a gente sozinha e não tinha envolvimento com política ou militância. Comecei a entender que havia questões importantes para além de mim mesma aos 14 anos, na época do impeachment de Collor. Vi as manifestações e comecei a me interessar e entender o porquê estavam pedindo a saída do presidente. Foi então que conheci os diretórios acadêmicos e me conscientizei sobre as questões sociais além do “meu mundo”.
Posso afirmar que meu espírito de militante nasceu durante meu primeiro trabalho, no qual acompanhava a triste realidade dos bairros mais vulneráveis de Recife-PE. Não era um trabalho fácil, atuei especialmente com mulheres e crianças vítimas de violências. Essa experiência foi difícil, porém muito significativa para minha trajetória de assistência social.
Quando fui fazer faculdade estava indecisa entre serviço Social e Direito. Não entrei na segunda, então comecei o serviço social, e logo me apaixonei! Foi durante a faculdade que conheci o trabalho das ONGs e decidi que queria trabalhar ou criar uma.
E cumpri com meu objetivo: a primeira organização foi o ELLA, um grupo de mulheres que realizavam consultoria na área social. Depois, veio o Movimento Popular, onde me apaixonei pela área de educação popular e, a partir daí, veio o Mais Social.
- Quais foram as principais mudanças notadas na sociedade entre agora e na época em que você começou?
Com certeza a influência de informação influenciou muito pro bem, mas também pro mau. A explosão de informação, principalmente nos anos do antigo governo, dificultou muito a disseminação do que é legítimo, gerando muita desinformação. Os movimentos não estavam preparados e isso deu margem para que as criminalização das organizações acontecesse como nunca.
Porém hoje em dia quem está na militância está muito mais consciente do que está construindo, pois através das tecnologias temos a liberdade de buscar conhecimento e história. Quando comecei, não tínhamos conhecimentos de muitas temáticas sociais, por exemplo, o feminismo ainda não era discutido.
- Quais são as suas principais influências? Pessoas que te inspiram.
Na minha construção como pessoa e sujeito, minha mãe foi fundamental. Ela é uma referência muito forte de luta e feminismo. Eu tenho muita admiração por ela, por ser uma mãe solo em uma sociedade julgadora, e por ter mostrado e sempre pregado que mulher poderia fazer o que quiser.
Além dela, dentro da área profissional, tenho duas mulheres importantíssimas como referências. A primeira é minha professora Socorro Araújo; as aulas que ela trazia me abriam para um mundo de conhecimento e aprendizado que, às vezes, eu parecia estar sonhando de tão interessantes que eram. A segunda é a pedagoga Lidía Lira, uma mulher com brilho nos olhos e a luta pelos direitos humanos no coração.
Como referência de estudo foi o Paulo Freire e o Tião Rocha, que tiveram a capacidade de contar as dores da sociedade de forma realista, sem romantização, o que me deu uma oportunidade para entender mais sobre a realidade atual.
- Quais são suas outras lutas? Para além da sua organização.
Eu digo que sempre acordo e me levanto como assistente social. Não consigo me desassociar do meu eu pessoal e do papel de assistente social. Gosto de ser assistente social em tudo o que faço, em minha casa, na minha família, nas escolhas das minhas amizades. Apenas em minha escolha espiritual é que tento separar algumas questões. Sou protestante, e embora minha espiritualidade seja a base dos meus direcionamentos éticos, tento me desassociar para compreender os outros. Assim, consigo entender a importância da descriminalização das outras religiões, principalmente as de matriz africana, entre outras questões.
- Qual conselho você daria para quem está começando na luta, nos movimentos sociais e militância?
Uma coisa que eu digo muito para as pessoas que estão entrando nos movimentos é descobrir a própria essência; é muito importante conhecermos a nós mesmos. Antes de escolher que caminho seguir, é preciso descobrirmos quem somos. Outro conselho é observar para além dos discursos, perceber as ações das pessoas e ver se elas são condizentes e principalmente se juntar com pessoas que possuem os mesmos valores e visões que você.
- Como você concilia sua vida particular, familiar e seu trabalho e militância? Você acredita que é possível separar as duas coisas?
Ao longo de vários erros, descobri que o equilíbrio é o que faz com que, no final do dia, tudo tenha valido a pena. Então, é buscando esse equilíbrio que hoje eu consigo dormir tranquilamente. Não consigo desassociar minha vida com minha militância, mas é preciso priorizar, então planejo tudo. Até as coisas da minha vida pessoal entram nesse planejamento, como prioridade. Faço meu planejamento semanal em um quadro, e essa prática me fez também aprender a dizer “não”. No começo, foi sofrido, mas hoje vejo que foi um sofrimento válido.
- Qual é o seu modelo de futuro?
Meu modelo do futuro é o que me move e me faz levantar. Acredito muito na sociedade e tenho a crença de que, através de pessoas, podemos criar um mundo melhor e mais justo. Desejo poder ver a televisão e não ouvir notícias sobre assassinatos de crianças, de indígenas e mulheres. Eu penso muito no processo histórico e que outras pessoas já batalharam para alcançar os direitos e o bem-estar que vivenciamos hoje. Então, creio que só conseguimos avançar olhando para tudo que já passamos e quem nós somos. E nisso, o amor e o respeito são elementos que promovem essa transformação. Embora seja utópico, eu escolho acreditar nesse sonho sempre.
- Quando você começou a se envolver na luta política do MROSC?
Eu não estava no movimento de 2014 que culminou na Lei 13.019, mas já vinha me envolvendo nessa temática há muito tempo, já que questionava muito do porquê a dificuldade para as organizações executarem suas ações. Em 2019, soube da Caravana Estadual sobre o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil em Recife e me inscrevi para conhecer mais essa rede. A partir daí, comecei a participar das ações da Plataforma Estadual de Pernambuco e nunca mais irei sair, pois acredito que é de extrema importância ter um ambiente favorável às organizações.
- Fale um pouco da sua organização e como ter mais informações para quem quiser acompanhar.
Quando fundamos a Mais Social, eu trabalhava para uma grande empresa, coordenando um projeto de responsabilidade social em todo o Brasil. Isso me deu a oportunidade de estabelecer redes com muitas organizações.
Então começamos a pensar em fundar a Mais Social com a ideia de prestar consultoria a associações e grupos comunitários, ou seja, realidades que não tinham recursos. Depois fundamos a sede e eu quis que fosse onde nasci e me criei, no bairro Várzea, uns dos mais vulneráveis do Recife.
No entanto, continuava coordenando o projeto da empresa, e sentia muito a questão do machismo na pele. Fazíamos cursos de qualificação profissional na área da construção civil e o 90% dos participantes eram homens. Eu criei turmas exclusivas para mulheres, porém me dei conta de que muitas delas não participaram porque não tinham com quem deixar as crianças; então criamos um espaço para que as mulheres pudessem estudar com suas crianças. Com o tempo, nós fomos nos focando mais nessa luta voltadas à assistência e a ajudar mulheres.
Nossa missão é promover o crescimento sustentável de grupos e organizações. Nosso objetivo é ser uma instituição de luta para que as pessoas tenham acesso a saúde, educação, direitos e democracia.
Para acompanhar as ações da Mais Social acesse o site https://maissocial.org/
- Quais livros ou filmes você indica? (Indique 2)
Livro:
- “Qual a sua obra?” – Mario Cesar Cortella.
- O segundo sexo – Simone de Beauvoir
Filmes:
- O Candidato Honesto – Leandro Hassum
- Marighella – Wagner Moura
- Medida Provisória – Lázaro Ramos
Conheço de perto essa pessoa maravilhosa que foi a minha coordenadora no estágio de Serviço Social, admiro muito seu trabalho, sempre com muita consciência social, humildade e competência . Parabéns !
O conteúdo desta matéria mostra uma fração muito pequena da grande mulher e profissional que é Erika Correia, suas realizações, e seu potential. A capacidade de leitura da realidade, do contexto, e das possibilidades das comunidades e dos grupos que ela assiste, a visão ampla dos caminhos a serem tomados, a liderança em um planejamento estratégico. Teria muitas coisas para dizer sobre esta mulher guerreira, que não desiste fácil dos seus sonhos nem de sua missão. Muita gratidão pela oportunidade de aprender com ela, de participar do seu trabalho na MAIS Social, e por sua existência nas nossas vidas. Somos todas MAIS!!