O debate promovido pela Rede de Advocacy Colaborativo (RAC), no dia 30 de julho de 2020, discutiu a Reforma Tributária e os impactos da proposta para a sustentabilidade econômica das organizações da sociedade civil.
O tema foi aprofundado por Silvio Sant´ana, representante da Fundação Esquel, Daniel Rech, assessor jurídico da UNICOPAS, e Daniel Paiva, sócio do VDV Advogados e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Direito de São Paulo, sob a mediação de Aline Viotto, coordenadora de advocacy do GIFE. Silvio Sant´ana, Daniel Rech e Aline Viotto são integrantes do Comitê Facilitador da Plataforma MROSC.
O encontro teve como objetivo tornar o debate sobre a reforma tributária e os impactos para as organizações da sociedade civil mais acessível diante do papel da sociedade civil de fortalecer a luta por direitos e pela democracia no país.
O debate teve início com a exposição de Daniel Paiva a respeito da tributação das Organização da Sociedade Civil no cenário atual, informando o expoente que há três institutos relevantes atuais para as OSC: imunidade; isenção; e não incidência de tributos. A imunidade, prevista nos artigos 150, VI, e 195, § 7º, ambos da Constituição Federal, é regra constitucional de não competência. A isenção, por sua vez, é prevista em normas infraconstitucionais, sendo pressuposta a competência tributária, mas se exclui determinada abrangência econômica do aspecto da cobrança tributária. A não incidência, por sua vez, diz respeito a situações fora da área de competência. A regra de não incidência não precisa estar explícita na Constituição Federal ou na lei, de modo que o objeto não é alcançado pelo fato gerador do tributo.
Em seguida, Daniel Rech, destacou alguns pontos referentes à reforma tributária. O primeiro ponto diz respeito à estrutura do Estado, de modo que a proposta da reforma tributária é de acordo com a posição do Estado na relação jurídica, qual seja, todo mundo paga. O expoente não ignora as proibições constitucionais, contudo, sendo possível que o Estado, em situações específicas, faça concessões. Em relação à imunidade, o expoente destacou iniciativas de inviabilizar o reconhecimento deste direito pelo Estado, com a imposição de regras, exigências de certificados e declarações não mencionadas na Constituição Federal, destacando o papel do Supremo Tribunal Federal para barrar estes abusos. Chamou a atenção, ainda para as dificuldades enfrentadas pelas organizações da sociedade civil pela tributação e as dificuldades impostas pelos entes federados para a concessão de isenções e a preservação de imunidades.
Silvio Sant´ana, por sua vez, abriu sua exposição criticando a ideia existente de que OSC não paga imposto. Em pesquisas que realizou, e analisou, observou que as entidades pagam percentual semelhante ao de empresas em tributos no geral. Critica este fato, já que as OSC executam causas sociais, e, por conta disso, deveriam recolher menos tributo. Defende a necessidade de regime tributário diferenciado para as OSC, devendo-se ampliar a imunidade tributária, que alcança um grupo reduzido de entidades.
Em relação à proposta de reforma tributária, Daniel Paiva explicou que surgiu diante da necessidade de reduzir as burocracias tributárias, da ausência de neutralidade da tributação sobre consumo, do excesso de fatos geradores, da guerra fiscal, da proliferação de isenções e muitos outros vícios do sistema tributário que devem ser sanados. Fala-se em uma reforma tributária sobre o consumo e unificação da tributação indireta, e não sobre todo o sistema nacional, de modo que as propostas de alteração da tributação sobre a renda são poucas.
Há três Propostas de Emenda Constitucional (PEC) atuais, quais sejam, a PEC 45, a PEC 110 e a PEC 128. Em linhas gerais, as propostas desejam aplicar o IVA, que é um imposto de origem no direito comparado, e que possui como principal característica ser neutro sobre o consumo. No Brasil, as propostas trazem a mesma sistemática do IVA no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
Segundo o expositor, as PEC´s 45 e 110 unificam o IBS federal, estadual e municipal em um único. Na PEC 45, o tributo unificaria o IPI, PIS, COFINS, ICMS e o ISS, determinando um sistema de transição de 10 anos, com base de cálculo ampla sobre bens e serviços, extinguindo cumulação, isenção e benefícios fiscais referentes aos tributos mencionados. A alíquota proposta seria entre 20 e 25%. A PEC 110 traz proposta semelhante, mas altera o período de transição para 5 anos. Ademais, o IBS substituiria o IPI, COFINS, COFINS-importação, PIS, PIS-importação, PASEP, IOF, Salário-Educação, Cide-combustíveis, ICMS e o ISS. Por sua vez, a PEC 128 traz uma proposta de tributação dividindo o IBS em federal e estadual/municipal. O período de transição seria de 6 anos, e a proposta unifica os tributos PIS, COFINS, IOF, ICMS e ISS.
Ao lado destas propostas, surgiu o Projeto de Lei 3.887/2020. Não é PEC, mas sim uma proposta a nível infraconstitucional de alteração da legislação tributária. Faz parte de um plano do governo federal dividido em 4 partes: (i) unificação do PIS e COFINS; (ii) converter IPI em tributo seletivo (iii) dividendos e exoneração da renda; (iv) tributação sobre bens e serviços digitais. Este plano é criticado pelo aumento da carga tributária para o setor de serviços em hipóteses de cadeia de consumo longa.
Em relação às OSC e os impactos que sofrerão, Daniel Paiva divide as entidades imunes e isentas. Organizações imunes serão menos impactadas com as propostas das PEC´s, já que a imunidade é proibição de tributação aos entes federados, sendo aplicada a impostos pelo artigo 150, VI, da Constituição Federal. Como o IBS é um imposto, não haverá a sua incidência para as entidades imunes, cumpridos os requisitos do Código Tributário Nacional. A imunidade permanecerá para as entidades, nas hipóteses em que forem contribuintes de direito. Quando aparecem na relação de consumo como contribuintes de fato, não há que se falar na imunidade tributária, como já decidido pelo Supremo Tribunal Federal.
Contudo, para as OCS não imunes, que dependem de isenções e regimes diferenciados para a consecução de seus objetivos, a vedação de concessão de regramento excepcional prevista para a IBS, como as isenções, irá impactar diretamente estas entidades. As isenções existentes e as alíquotas reduzidas de PIS, COFINS e demais tributos mencionados, e todo o regime diferenciado, serão extintos, o que prejudicará as organizações da sociedade civil. Quando se pensa nos impactos, considerando a característica comum das três propostas, os contribuintes que dependem desses benefícios fiscais para manutenção de suas atividades sofrerão prejuízo direto.
Os três expositores concordaram que outro impacto evidente é o aumento da carga tributária para as entidades que não possuem imunidade. O IBS se propõe a ser neutro, não trará isenções e incentivos fiscais. Os demais tributos, que continuarão existindo no prazo de transição, permanecerão com a sistemática atual e as isenções e garantias reconhecidas. Contudo, com o final do período de transição, ter-se-á apenas o IBS, sem os incentivos.
Veja abaixo a videoconferência na íntegra:
Para Daniel Rech, as propostas de reforma apresentam três aspectos positivos: 1 – unificação dos tributos; 2 – alíquotas nacionais, dificultando que cada ente federativo defina suas próprias alíquotas e alterações; 3 – possibilidade de restituição para população de baixa renda, que é prevista, ainda que não esteja claro como se dará. Em sua análise, destacou, também, três aspectos negativos da reforma: 1 – propostas prejudicam a imunidade tributária, de modo que criará um debate sobre o pagamento e como se dará; 2 – sobre os tributos existentes, cria-se fato gerador para as entidades que não possuem fato gerador vinculado à sua natureza, como no caso da vinculação do PIS e COFINS, em que as entidades não têm lucro; 3 – a extinção das isenções para as entidades da sociedade civil.
Para solucionar os problemas gerados com as propostas de reforma tributária, perante as OSC, Silvio Sant´ana informa estratégias articuladas pelas organizações afetadas, que intentam incluir uma norma estabelecendo que as organizações da sociedade civil que atuem no interesse da República, terão tratamento diferenciado, específico e favorecido, com a simplificação e a eliminação de obrigações tributária, remetendo a disciplina das isenções e benefícios fiscais para uma lei complementar. Já em relação à proposta governamental de unificação do COFINS e PIS por lei infraconstitucional, a articulação é para criar uma norma de não aplicação da lei para as organizações da sociedade civil.
Ao final, foi posta a preocupação com a importação de modelos de tributação e sua respectiva transição para a realidade brasileira, sendo o IBS um modelo importado, que não se amolda, nos termos propostos, com a situação legal e organizacional do país. A conclusão é pela necessidade de se assegurar os direitos e garantias das OSC, para que permaneçam as isenções e demais benefícios fiscais previstos para o setor também nas reformas mencionadas.