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Por Angelica Tomassini e Nivea Martins

A ação para o fortalecimento do protagonismo das mulheres, sobretudo nos espaços políticos de gestão social e do direito, é um dos pontos norteadores da Plataforma MROSC. Através de rodas de conversa, encontros estaduais e nacionais voltados para as mulheres, a Plataforma vem debatendo e convidando as mulheres do campo e da cidade a se apropriarem dos espaços e discussões na luta por um novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil.

Para evidenciar as diversas mulheres, suas histórias de luta e militância, envolvidas hoje na Plataforma e/ou nas organizações signatárias, lançamos a campanha Mulheres que Inspiram, uma série de entrevistas para conhecermos essas lideranças que estão em espaços de destaque ou na base e que diariamente lutam por seus direitos.

Mulheres que Inspiram – Atiliana Brunetto 

Atiliana Brunetto

Nascida no Mato Grosso do Sul, filha de professora e de um cacique indígena, Atiliana Brunetto é uma das mulheres que tem atuado no fortalecimento da rede feminista interna do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), dando vida à  solidariedade entre mulheres do campo e da cidade. Mulher valente, resistente e de luta, atualmente integra a Direção Nacional do MST pelo estado de Mato Grosso do Sul, contribuindo para a construção de uma sociedade socialista em que os direitos de todas, todos e todes sejam respeitados. 

  • Como surgiu sua luta por direitos humanos, seu desejo de lutar junto aos movimentos sociais, organizações etc?

 

Atiliana: Bom, posso dizer que, desde quando nasci, meu berço foi a resistência, pois minha família já estava envolvida na luta em defesa dos povos indígenas. Sou indígena da Nação Terena, meu pai era cacique e minha mãe professora na aldeia. Quando tinha de 14 para 15 anos, saí da aldeia e me mudei com minha família para o município de Campo Grande, em perspectiva de melhores condições de vida.

Atialiana, coordenando uma atividade do MST

Ao longo da minha vida de militante, tive envolvimento com outros movimentos populares. Por exemplo de mulheres e de moradia, entre outros. Minha aproximação com o MST foi através da Associação Indígena Kaguateca, uma associação que tinha participação das cinco nações indígenas do MS e que se envolvia com os outros movimentos sociais. Já ouvíamos sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e sua luta pela terra, e eu tinha admiração pelo coletivo. Mais tarde conheci meu companheiro, Egídio Brunetto, que era da parte internacional do MST e que ajudou na construção da via campesina internacional.

  • Quais foram as principais mudanças notadas na sociedade entre agora e na época em que você começou ?

Atiliana: Ao longo dos anos houve um melhor processo formativo de quem busca melhores condições de vida. Nos anos 80 havia um processo de avanço de organização dos movimentos sociais, e nós, militantes, podíamos sentir a força de transformação no povo. Nos últimos 10 anos o capital começou a avançar e se erguer de uma forma bruta, tanto no campo, quanto na cidade, mas mesmo assim conseguimos defender nossa cultura. Hoje em dia temos que defender nossa existência enquanto povos indígenas e comunidades do campo, pois houve um avanço da violência e do racismo inacreditável. Mas ao longo de tantos governos, nossa força e nossa vontade de transformar nossas vidas não diminuíram. Cada dia protegemos nossa existência ancestral e a natureza. 

  • Diante do cenário atual, que muitas vezes se mostra desanimador, o que te estimula a continuar? 

Atiliana: Na vida de militante sempre há momentos de decepção e tristeza, sobretudo quando percebemos que a luta por direitos está retrocedendo, como está acontecendo durante este governo. Quando pensamos nesse tema do ponto de vista do gênero, dá vontade de largar tudo, pois, para as mulheres, a sensação de incertezas e os retrocessos são ainda mais frequentes.

Uma vez, durante uma reunião de mulheres do MST, uma companheira disse que é melhor voltar para roça do que continuar na militância, pois as mulheres muitas vezes não tem o reconhecimento como liderança, então seria melhor plantar e cuidar das coisas no assentamento. Quero dizer que todas nós temos aqueles momentos de depressão e solidão, mas não podemos parar. Nos últimos anos, vivenciamos um grande avanço na participação feminina na linha de frente do coletivo. Muitas mulheres assumiram cargos de liderança e a forma das mulheres se organizarem é motivadora e estimulante. Atualmente são as mulheres e as juventudes que defendem a produção agroecológica do MST, garantindo uma renda e a segurança alimentar sustentável para as famílias.

  • Como a pandemia te afetou? Na vida pessoal, sua saúde mental e no seu trabalho?

Atiliana: A realidade pandêmica evidenciou várias mazelas na sociedade de todo o mundo. Nós, do MST, orientamos para que ninguém saísse, chamando o isolamento de “quarentena produtiva”. Incentivamos as pessoas a cuidarem das suas hortas e dos plantios. Claro que para nós, mulheres, foi mais difícil: tivemos que cuidar da casa, da militância, dos filhos, dos  idosos. Foi cansativo garantir um espaço pra nós. Eu me sinto muito privilegiada, pois tenho uma casa com um quintal grande e minha horta ficou maravilhosa naqueles meses. Foi minha válvula de escape das tantas reuniões virtuais que rolavam no auge da pandemia. Mas nem todas as companheiras tiveram um cantinho só para elas: àquelas que estão no assentamento tiveram uma sobrecarga enorme de trabalho, devido às campanhas emergenciais de entrega de cestas básicas.

  •  Como você concilia sua vida particular, familiar e seu trabalho e militância? Você acredita que é possível separar as duas coisas?

Atiliana: Eu já sofri muito por causa do relacionamento militância/família. Meu companheiro era muito mais despreocupado com as coisas da casa do que eu. A gente se conheceu na luta, então não era possível decidir quem dos dois tinha que ficar em casa para cuidar das tarefas que uma família requer. Então, sempre buscamos juntos, as condições, para ao mesmo tempo, cuidar das crianças e da casa, sem perder de vista a militância. 

Meus filhos cresceram conhecendo as responsabilidades que um militante do MST tem. Até o ano passado eu era dirigente nacional do Setor de Gênero, mas hoje integro a Direção Nacional do Movimento Sem Terra, pelo estado do Mato Grosso do Sul, tarefa que me leva a viajar e que me cobra muito tempo, parte do qual eu poderia passar com meus filhos. Mas eles estão cientes de que é preciso continuar na luta, pois os problemas cotidianos que cada um de nós vive no privado ficam pequenos na frente da causa pela qual estamos lutando. 

  •  Quais são as suas principais influências?

Atiliana: Posso falar que todas as companheiras que fazem parte do coletivo de mulheres do MST são minhas referências, por todo o avanço que o MST vivência graças às lutas e aos debates das mulheres. Outras referências é minha mãe, por ser uma mulher indígena, sempre na resistência. Outra é minha sogra, que conseguiu lidar com a ausência dos filhos, os quais entraram todos na militância, ficando distantes uns dos outros. 

Meu pai hoje está com 94 anos, mas continua sendo uma referência de liderança, de sabedoria e ética para os povos indígenas. E meu companheiro, que foi um exemplo de homem desprendido de tudo, em nome da luta por uma sociedade justa. 

  •  Qual conselho você daria para quem está começando na luta nos movimentos sociais e militância? 

Atiliana: Que sejam persistentes, que ajam e proponham caminhos que levem à construção de uma sociedade socialista baseada na solidariedade e no respeito. Que cada jovem de nosso coletivo sempre seja exemplo de ética e coerência, e que possa garantir que os valores e os princípios do MST sejam sempre respeitados. 

  • Qual é o seu modelo de futuro? 

Atiliana: Eu gostaria de um mundo de respeito e de solidariedade de um com o outro. Gostaria que nossas diferenças fossem qualidades e não desigualdades. A vida é feita de momentos, portanto gostaria que, mesmo nas adversidades, nossas existências sempre fossem marcadas de felicidade e esperança. 

  • Quais livros ou filmes você indica? 

Livro:

  • Calibã e a bruxa: Mulheres, corpos e acumulação primitiva – Silvia Federici

Filme: 

Chão – Camila Freitas (https://www.youtube.com/watch?v=wOrW5M3kPHg)

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