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por Mônica Santana (Plataforma MROSC Bahia)

A palavra criminalização já faz parte das preocupações e discussões das organizações da sociedade civil há algum tempo. Fundamentais para execução das políticas públicas e exercício pleno de uma sociedade democrática, as entidades convivem com a frequência de notícias que distorcem o valor e a importância do seu papel para o desenvolvimento do país, quanto enfrentam essa criminalização em diferentes níveis no trato com o poder público, especialmente nas relações de parcerias. Criminalização burocrática é o termo empregado para designar o crescente grau de cobranças e exigências que impactam ou inviabilizam os trabalhos das organizações da sociedade civil em suas parcerias com os governos. Na Bahia, mesmo sendo estado pioneiro na implantação do Confoco e passos sólidos na implantação da Lei Estadual 13.019/14, as organizações da sociedade civil encontram significativos desafios burocráticos. 

De acordo com Candice Ferreira, articuladora da Plataforma MROSC-BA e representante da ELO Ligação, “o marco regulatório tem como principal agenda a valorização das organizações e da importância do seu trabalho para o desenvolvimento do país. Mas ainda hoje, anos depois de sua aprovação, para uma entidade abrir uma conta num banco público, são tantas as dificuldades. O que já demonstra que a aplicação da lei ainda não é uma realidade na prática”. Essa situação aparentemente corriqueira diz respeito ao fato que a lei orienta que as contas para parcerias entre sociedade civil e poder público fiquem isentas de taxas, tendo em vista que não têm fins lucrativos e visam atividades de fim social. É mais fácil ter interlocução e maleabilidade junto aos bancos privados que nos públicos, o que demonstra um grau de dificuldade na relação. 

A Plataforma MROSC encaminhou uma carta para o Governo do Estado da Bahia em agosto de 2020, elencando uma série de problemas nas relações de cooperação entre sociedade civil e poder público. Entre eles, a falta de diálogo regular com o Tribunal de Contas do Estado, que ainda não olha para as prestações de contas tendo da Lei Estadual 13.019/14, a identificação de uma série de procedimentos em desacordo com o Decreto Estadual nº 17.091/2016, que visa aperfeiçoar o ambiente jurídico e institucional relacionado às organizações da sociedade civil e suas relações de parceria com o Estado da Bahia. Também foi sinalizado que o Governo do Estado ainda segue procedimentos adotados em convênios e contratos, comuns ao contexto das empresas privadas, que fornecem bens e serviços e distintas do propósito das organizações da sociedade civil. As situações apresentadas na carta são comuns às várias organizações, que seguem com desafios nas prestações de contas, muitas vezes impactando no recebimento dos recursos, suspensão e até mesmo cancelamento de projetos – que por sua vez, deixam de gerar os impactos e transformações sociais almejados. 

Prestações de Contas – “Em atividade de formação com o Tribunal de Contas do Estados vimos que muitos daquilo que os especialistas e técnicos consideram como achados são, na verdade, falhas da administração pública, por pouco compreender o MROSC. Ou seja, há uma demanda interna de formação das próprias equipes do Governo. As OSCs vivem sobrecarregadas por exigências diversas na prestação de contas, documentos ou longa espera de retorno das prestações de contas enviadas” acrescenta a articuladora. Segundo ela, “é importante avançar a compreensão de que não são apenas as organizações que precisam da parceria com o Governo, mas também os Governos que precisam reconhecer que a sociedade civil é fundamental para a execução das políticas públicas”.

A Comissão de Normas da Plataforma MROSC-Ba tem a missão de fazer com que as organizações se sintam responsáveis por mudar essa lógica em suas parcerias, mas também contribuir no suporte junto às entidades em suas prestações de contas e dar retornos sobre situações em desacordo com o marco. Assim a comissão orienta as entidades, apontando as falhas e contradições nas diligências solicitadas. “Para a Plataforma esse processo de escuta é fundamental e é importante que as organizações tenham disposição para exemplificar com seus casos e situações que embasam o trabalho de diálogo do coletivo, dentro do CONFOCO e na relação com o podr público” explica Candice, que considera a exposição das contradições nas cobranças feitas pelo poder público necessária para cobrar mudanças e transformações. No âmbito nacional, uma sistematização está em desenvolvimento a fim de apontar as recorrências e a necessidade de caminhos práticos de diminuir a burocracia e a criminalização das sociedades civil. 

Rosa Marinho, coordenadora do Grupo de Apoio a Prevenção à Aids da Bahia e membro da Plataforma MROSC, considera que a falta de implementação da lei no estado gera a aplicação de normas técnicas que geram desafios para as OSCs. O GAPA vivenciou grandes desafios na parceria com a Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia (SJDHDS), como por exemplo, toda prestação de contas ser feitas fora dos parâmetros do MROSC, ignorando os documentos e orientações do CONFOCO. Em sua experiência, frequentemente, nas relações com a gestão pública, a entidade é vista como uma mera prestadora de serviço e executora da política estadual, além de haver confusão entre os instrumentos de parcerização. 

Ainda hoje, muitas parcerias não permitem a remuneração da direção das organizações, que frequentemente desempenham funções técnicas – mais um ponto que não se aplicaria caso o marco estivesse em plena aplicação. Na avaliação de Marinho, esse cenário explicita o prejuízo real da falta de treinamento e desconhecimento do MROSC por parte dos quadros profissionais do estado, o que penaliza diretamente as organizações da sociedade civil. “Penso que há muito pouco conhecimento da lei pelos gestores e coordenadores de áreas e políticas das secretarias, de modo que essa falta de apropriação da legislação e mesmo dos instrumentos se refletem em equívocos prejudiciais às OSC, mas passível de num futuro próximo, com empenho em formação e prazo para adequação a lei por parte dos governos, haver muito mais acertos e boas práticas para mencionar” conclui.

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