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Por Angelica Tomassini e Nívea Martins 

A ação para o fortalecimento do protagonismo das mulheres, sobretudo nos espaços políticos de gestão social e do direito, é um dos pontos norteadores da Plataforma MROSC. Através de rodas de conversa, encontros estaduais e nacionais voltados para as mulheres, a Plataforma vem debatendo e convidando as mulheres do campo e da cidade a se apropriarem dos espaços e discussões na luta por um novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil.

Para evidenciar as diversas mulheres, suas histórias de luta e militância, envolvidas hoje na Plataforma e/ou nas organizações signatárias, lançamos a campanha Mulheres que Inspiram, uma série de entrevistas para conhecermos essas  lideranças que estão em espaços de destaque ou na base e que diariamente lutam por seus direitos.

Mulheres que Inspiram: Roselene Lima 

Roselene Lima

 

Mulher de luta, Roselene Lima é um exemplo da força da mulher brasileira. Dividindo-se entre família e militância, a esperança nas falas da acriana, filha de nordestino, inspira e desperta o sentimento de fé na solidariedade de quem está na caminhada há muito tempo. 

Formando Gestão Pública na UNINORTE com bolsa integral do ProUni e cursando a Formação de Líderes Sociais na Falcons University, Roselene é Tecnica em agróecologia pelo Instituto Federal do Acre/IFAC, e desde adolescente se envolveu nos movimentos da juventude da Igreja Católica. Hoje em dia Roselene se empenha no papel de mãe, esposa e companheira de luta, se baseando nos preceitos cristãos e na teologia da libertação. 

 

Pergunta: Como surgiu sua luta por direitos humanos, seu desejo de lutar junto aos movimentos sociais, organizações?

Comecei minha militância na Igreja Católica, por volta dos 12 anos, quando  conheci as comunidades eclesiais de base. Era a época de Chico Mendes e Marina Silva, um tempo onde os movimentos sociais em Rio Branco eram muito ativos. Nosso bispo da época, Dom Moacyr Grechi, era muito próximo desses movimentos e através deles trazia para nós, jovens, as noções da teoria da libertação. Ali eu ficava maravilhada vendo aquele povo dos sindicatos e nas associações e me reconheci naqueles movimentos que exigiam um mundo mais justo, onde todos se beneficiassem de direitos iguais e, foi assim que comecei me envolver no grupo de jovens. 

Passando a fase da adolescência, durante o ensino médio, eu conheci meu esposo e engravidei com 19 anos de idade, mas nunca desisti da luta. Foi naquele tempo que pela primeira vez me envolvi em uma Organização da Sociedade Civil, participando ativamente com outras companheiras na criação da Associação das Pessoas que Fazem Tratamento de Saúde Fora do Estado do Acre – ASFEAC para compensar a precariedade vivenciada de quem não tinha condições de curar-se no Acre. Naquele mesmo período, conheci meu maior incentivador, o Abrahim Farhat Neto, que infelizmente não está mais entre nós há dois anos. Aqui em Rio Branco ele era conhecido por todos os movimentos sociais e políticos, pois aqui no Acre foi um dos iniciadores da maioria deles. Ele tornou-se um dos meus melhores amigos e me apresentou ao Sindicato das Trabalhadoras Domésticas, no qual eu contribuí no setor de Captação de Recursos. 

Roselene juntos com os companheiros de luta, Abrahim Farhart Neto e Jane Aparecida, ex Presidente das Trabalhadoras Domésticas de Acre.

Depois de oito anos eu saí do Sindicato, e juntamente com a professora Almerinda Cunha, referencia no movimento negro acreano, e que na época coordenava o Departamento das Igualdades Raciais, fundamos a Associação das Mulheres Negras do Acre e seus Apoiadores, instituição na qual estou até hoje. 

Nessa caminhada, fui me apaixonando pelo terceiro setor e comecei a me especializar para trabalhar junto às organizações.

Pergunta: Quais foram as principais mudanças notadas na sociedade entre agora e na época em que você começou ? 

Acredito que ao longo dos anos houve uma fase de muitos avanços nos direitos, porém com o governo atual  assistimos a uma despromoção dos direitos humanos. Fazendo uma comparação entre a época que comecei na militância e hoje em dia, percebo que as organizações da sociedade civil conquistaram muitas coisas, lembro que tudo era muito precário. Com o tempo pudemos ver filhos de empregada doméstica fazendo faculdade, as famílias conseguiram moradia, pessoas analfabetas indo pra escola e tendo a dignidade de aprender a ler e escrever. 

Recentemente, tivemos muitos retrocessos e os movimentos ficaram enfraquecidos por um período, foram muito discriminados e criminalizados, porém estamos recomeçando novamente. Na pandemia, os movimentos conseguiram se reorganizar e foram os principais responsáveis por dar apoio humanitário, acolhimento, carinho e dignidade para as pessoas em situação de vulnerabilidade.

Pergunta: Quais os obstáculos você vem enfrentando atualmente?

Esses últimos dois anos foram desafiadores para a população do Acre. Foi um trio de acontecimentos chegando ao mesmo tempo: a pandemia, as enchentes que foram terríveis e junto veio a dengue. Foi muito doloroso, as pessoas se contaminaram de Covid-19 e de dengue juntamente, nossas beneficiárias perdiam móveis, as casas… Não foi fácil, paramos todas as nossas atividades e nos focamos a dar apoio emergencial, onde além de cestas básicas e kilts limpeza levávamos carinho, palavras de conforto e bem querer. Todo esse apoio se deu graças a nossa rede de parceiros, em especial com a ajuda da Cáritas Diocesana de Rio Branco, a qual tem uma abrangência maior e da qual eu faço parte da Coordenação. 

 Pergunta: Quais são as suas principais influências? Pessoas que te inspiram. 

Minha principal influência foram meus pais. Meu pai, João Ribeiro de Lima, era um nordestino que veio para o Acre, casou com minha mãe, Maria Antônia de Lima, e nós fomos criados na zona rural. Minha mãe não tinha estudo, não sabia ler e escrever, trabalhava como empregada doméstica. Mesmo sendo uma família humilde, eles sempre lutaram para nos dar uma vida melhor, para nos ensinarem princípios de honestidade, solidariedade, justiça e amor. 

Com relação aos movimentos sociais, minha inspiração é meu querido amigo Abrahim Farhat Neto, um  humanista de sangue libanês de muitas posses, porém com um lado humano enorme, sempre pronto a dar amor para o próximo. Era um homem que fez da solidariedade e da caridade suas maiores virtudes, e tinha a benevolência de compartilhá-las com os mais vulneráveis. Ainda nos movimentos, uma é a Professora Armerinda Cunha, atual Coordenadora da Associação de Mulheres Negras do Acre, a outra é Ivanilde Lopes, as duas inspirações de luta na igualdade de Gênero, Raça e Direitos Humanos.

A nível nacional é a Conceição Evaristo quem me inspira cada dia. Conheci o trabalho dela, o qual me incentivou a conhecer as dores das mulheres e da comunidade negra, através das Escrevivências, que sempre fazemos em nossos encontros. E a nível eclesial é o São Francisco de Assis. Eu sou muito devota a ele, pois é um exemplo de amor aos excluídos e excluídas.  

Pergunta: Quais são suas outras lutas? Para além da sua organização.

Eu tenho um sonho de uma sociedade mais justa, sonho com um Brasil igualitário e com uma justiça social digna para todos e todas. Estou ciente que, ainda hoje, estou nos movimentos sociais e na militância para deixar para meus netos um ambiente mais saudável, um país mais igualitário e justo, com moradia e comida para todos. 

Roselene durante a formação presencial da Falcons University em Recife/PE.

Atualmente estou cursando Gestão Pública e em dezembro irei me formar. Na pandemia eu conheci a ONG Gerando Falcões, uma Organização da Sociedade Civil de São Paulo. Através dela, conheci a Falcons University, um projeto de formação de líderes sociais e comecei a fazer o curso, já fiz o módulo presencial em Recife e estou maravilhada com essa experiência. Abracei com todas as minhas forças essa causa, segundo Edu Lyra fundador e CEO da Gerando Falcões: nossa missão é, colocar a pobreza das favelas/periferia no museu e decolar rumo a um mundo digno, digital, desenvolvido e sem preconceitos.

“Estou fazendo tudo isto para que um dia, a pobreza das favelas e da periferia torne-se uma peça de museu.”

Pergunta: Como você concilia sua vida particular, familiar e seu trabalho e militância? Você acredita que é possível separar as duas coisas?

Não é nada fácil, mas é gratificante. Quando estou triste, querendo desistir diante das diversidades, Deus sempre me lembra da minha missão através de uma ligação, de um pedido de apoio e isso me impulsiona, porque sei que tem muita gente que precisa de mim, precisam do que eu faço. Isso me dá forças.

Roselene e o marido Alex.

Meu esposo, Alex Barreto da Silva, tem algumas limitações com relação a saúde, precisa de acompanhamento e atenção. Mas ele é meu companheiro de luta! A maioria das vezes que tem encontros, ele está ao meu lado, e as vezes que não está e que eu passo o dia nas reuniões ou quando volto tarde em casa, ele me apoia no dia a dia da família. Ele é bem parceiro, assim como meus quatros filhos, Pablo Henrique, Tuanny Pabline, Kelly Camila e Manoela Lima e meus netos Heitor Lima e Maria Alice, que são meu maior presente.

Dividir a militância da minha vida familiar é bastante complicado, pois as pessoas têm a minha casa como referência. Por exemplo, na pandemia a gente fazia entrega de cestas básicas na Paróquia, na Associação de Mulheres Negras e minha casa tornou-se referência no bairro, então as pessoas veem minha moradia como um espaço de militância e de encontro. Às vezes é cansativo, pois preciso descansar ou estou com dor de cabeça e as pessoas vem e batem palmas. Mas eu estou sempre disposta a atender, e isto também graças ao apoio que minha família me dá.

Pergunta: Qual conselho você daria para quem está começando na luta, nos movimentos sociais e militância?

Eu diria que não é fácil, mas é apaixonante e extremamente prazeroso o resultado que a gente tem. É um refrigério para a alma quando você faz uma ação social que beneficia pessoas que estão em vulnerabilidade, e quando você vê a mudança que acontece na vida dessas pessoas, isso não tem preço. Aconselharia a levar a sério a causa que você defende, ser justo, ser solidário e trabalhar coletivamente, acredite nos seus sonhos, acredite que um mundo mais justo possa existir. Enfrente as dificuldades com um sorriso no rosto, faça com amor e doação e acima de tudo tenha fé que no final sempre dará certo.

Quando temos um objetivo e trabalhamos coletivamente, conseguimos sim mudar a realidade das pessoas e acredito que um dia teremos um Brasil melhor, com justiça social, que o estado do Acre possa ser um território onde as pessoas vivam com dignidade.

Pergunta: Diante do cenário atual, que muitas vezes se mostra desanimador, o que te estimula a continuar? 

A minha fé e a esperança de que um dia teremos direitos humanos para todos e todas. Uma sociedade mais justa, igualitária e humana. Isso me estimula a continuar na luta.

Pergunta: Qual é o seu modelo de futuro? 

Me inspiro muito no ideal do Fundador e CEO da Gerando Falcões, Edu Lyra, que diz que em um futuro muito próximo, essa miséria, pobreza, desigualdade social que a gente tem seja “uma peça de museu”, que fique no passado. Estou determinada em ajudar a fazer isso acontecer. E quando estou determinada, faço o impossível e dou o melhor de mim.

Pergunta: Quando você começou a se envolver na luta política do MROSC?

: Eu conheci o Álvaro Mendes, a pessoa referência da Plataforma MROSC Acre, a primeira Plataforma estadual que foi formalizada na região Norte. Quando eu ainda estava no Sindicato das Trabalhadoras Domésticas, ele me convidou para fazer parte do Grupo de Trabalho que estava elaborando a minuta da Lei, com o apoio do Lucas Seara, coordenador do OSC Legal Instituto. Foi realizado Advocacy com órgãos e autoridades e feita a minuta da Lei e entregue na Prefeitura, ai veio as eleições municipais e a pandemia e ficou tudo meio parado, Porém nós avançamos muito, hoje em dia temos na Plataforma Estadual 56 organizações signatárias. E agora estamos empenhados com a organização do Encontro Regional da Plataforma MROSC, que será realizado aqui em Rio Branco, nos dias 01,02 e 03 de junho.

Pergunta: Fale um pouco da sua organização e como ter mais informações para quem quiser acompanhar

A nossa Associação de Mulheres Negras, é uma signatária da plataforma MROSC/Ac e está em fase de reformulação do estatuto. A associação foi criada em 2015, porque percebemos que nossas reivindicações de mulheres negras não eram levadas a sério pelas instituições públicas.  A gente sofria de uma total invisibilidade. A associação é totalmente dirigida por mulheres, os homens são apenas apoiadores, mas não ocupam cargos. Estamos organizadas nos 22 municípios do estado e temos uma rede de apoio nacional com parceiros como CESE, Fundo Brasil dos Direitos Humanos, Fundo ELAS +, a CAMTRA, Coalizão Negra por Direitos entre outras entidades que são parceiros e sempre nos apoiam.

Roselene durante uma atividade da Associação das Mulheres Negras do Acre.

Já tivemos casos extremamente difíceis e dolorosos, pois muitos querem silenciar nossas denúncias ao racismo e a violência de gênero. O estado do Acre hoje é o primeiro em casos de feminicídio e as vítimas em sua maioria são mulheres negras. Mas nossa rede de parceiros nos apoia e assim estamos conseguindo dá visibilidade a nossa luta. Um episódio grave e marcante, mas que nos fez perceber o quanto importante é nossa rede de parcerias, aconteceu no ano passado, quando uma companheira nossa, liderança da Associação em um município próximo a capital foi sequestrada e sofreu violências. Conseguimos nos mobilizar e dar apoio a ela, sobretudo em termos de segurança e alimentação, pois ela vivia em extrema vulnerabilidade e medo. É muito gratificante ver como a união pode fortalecer nossos objetivos.

Pergunta: Quais livros ou filmes você indica? (Indique 2)

Filmes: A procura da Felicidade – Gabriele Muccino

Mandela, o caminho para a liberdade – Justin Chadwick

12 anos de escravidão – Steve McQueen

Livros: 

A bíblia sagrada

Pequeno manual anti racista – Djamila Ribeiro

A cabana – William P. Young

Para quem quiser conhecer mais a Associação de Mulheres Negras de do Acre, acesse a suas redes sociais:

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