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05 de maio de 2020

O presente documento apresenta manifestação acerca da proposta de Emenda à Constituição Federal nº 14 de 2020, que altera o artigo 155 da Constituição Federal para vedar a instituição do Imposto Sobre Transmissões e Doações – ITCD sobre as transmissões e doações às organizações da sociedade civil e aos institutos de pesquisa sem fins lucrativos.

O objetivo central da Emenda Constitucional é acrescentar o inciso V, ao parágrafo 1º do artigo 155, que trata do ITCD. O mencionado dispositivo incluí uma hipótese de não incidência tributária às organizações da sociedade civil e aos institutos de pesquisa sem fins lucrativos, para que não recolham o ITCD nas doações que receberem.

O ITCD é um imposto de competência estadual. Com exceção da hipótese de imunidade tributária de impostos prevista no artigo 150, inciso VI, da Constituição Federal, caberia aos Estados disciplinarem regras de isenção às entidades sem fins lucrativos que não se enquadrassem como de educação e assistência social. A PEC nº 14/2020 unifica a disciplina em relação às organizações da sociedade civil e aos institutos de pesquisa sem fins lucrativos, a fim de garantir a não incidência tributária ao recolhimento do ITCD sobre doações para estas entidades.

Essa proposta de Emenda Constitucional surge no momento de crise política, econômica e social gerada pelo Covid-19, decorrente da necessidade de as entidades da organização da sociedade civil receberem recursos de forma simplificada. A medida, porém, não se limita a este período de crise. Trata-se de importante alteração constitucional que visa a garantir maior eficiência à um setor de atuação tão relevante e necessário.

Assim, serve a presente Nota técnica para analisar a PEC nº 14/2020 no mérito e tecer nossas considerações. Mesmo com mudança de rito e forma de atuação da sociedade civil no processo legislativo durante a pandemia, entendemos ser a participação social de fundamental importância, especialmente na iminência de que a nova legislação nos atinja diretamente, e chamamos a atenção dos senhores parlamentares para o que segue.

Antes, no entanto, vale registrar algumas informações sobre quem somos, nossa história na construção da agenda do MROSC, nossa atuação regionalizada e a importância da garantia de um bom ambiente de atuação das organizações da sociedade civil (OSC) no Brasil.

I – SOBRE A PLATAFORMA MROSC

A Plataforma por um Novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (Plataforma MROSC)[1] é uma articulação nacional representativa de diversos movimentos sociais, entidades religiosas, OSC, institutos, fundações privadas e cooperativas da economia solidária, composta por 705 organizações signatárias, 107 articulações/redes/grupos, 10 fóruns e 6 plataformas estaduais, criada em 2010 com a finalidade de definir uma agenda comum de incidência da sociedade civil brasileira, em prol da melhoria de seu ambiente de atuação, seja pela regulação, seja por produção e apropriação de conhecimentos, cuja rede indireta alcança mais de 50 mil entidades. A Plataforma destaca o papel das OSC como patrimônio social brasileiro e pilar de nossa democracia.

Os principais compromissos da Plataforma MROSC são com as causas de interesse público; a consolidação da democracia; a pluralidade na ampliação da participação democrática por meio da participação cidadã; o aprimoramento, melhoria e intensificação da qualidade da participação das OSC nos processos de mobilização da cidadania para causas de interesse público; e com a adoção de práticas que permitam uma melhor gestão dos recursos manejados pelas OSC, aperfeiçoando sua regulação e transparência.

Tendo participado ativamente da construção da Lei nº 13.019/2014, que entrou em vigor em janeiro de 2016 para a União, o Distrito Federal e os Estados, e em janeiro de 2017 para os Municípios, a Plataforma  MROSC está hoje muito envolvida no processo de regulamentação e implementação nos entes subnacionais para que o façam em acordo com os princípios e diretrizes de valorização, autonomia e participação das OSC, trazidos pelo MROSC. A norma traz uma mudança de paradigma nas relações de parceria, que requer um novo olhar sobre essas relações entre a Administração Pública e a sociedade civil. A produção e divulgação de conhecimento sobre os temas da agenda e da implementação da Lei nº 13.019/2014, a partir de uma perspectiva mais ampla e de valorização das OSC, com a construção de um ambiente mais favorável à sua atuação e à participação social, são características da atuação da Plataforma nesta trilha percorrida nos últimos dez anos.

A experiência da Plataforma e a diversidade das OSC traduzem e reafirmam o pressuposto de que participação significa ampliação da democracia e redução das desigualdades de gênero e raça existentes no país, relacionando-se diretamente à promoção do desenvolvimento sustentável e do acesso à justiça e à construção de instituições eficazes para todas e todos. OSC fortalecem a democracia e proporcionam maior pluralidade e melhores padrões de desenvolvimento, com manutenção das conquistas sociais, econômicas e políticas alcançadas pelo Brasil desde a democratização.

II – OSC e COVID – 19

Preocupada com a situação das populações mais pobres e carentes do nosso país e com as organizações da sociedade que as representam, mediam suas demandas e lutam por seus direitos frente às dramáticas consequências da pandemia COVID-19, a Plataforma MROSC entende que é seu papel posicionar-se para que as OSC sejam incluídas nas medidas estatais de apoio ao fundamental trabalho das OSC neste momento, com a desoneração das doações e, bem como na valorização das organizações da sociedade, que assumem papel protagonista neste momento de crise.

Considerando

  • que as organizações da sociedade civil, notadamente as de saúde, assistência social e combate à pobreza, ciência e tecnologia, promoção e defesa de direitos, estão na linha de frente da ajuda emergencial humanitária neste momento e correm o risco de ter suas atividades paralisadas pela pandemia;
  • que grande parte dos hospitais e Santas Casas, instituições de atendimento em assistência social são constituídos juridicamente como associações ou fundações, enquadrando-se, portanto, no conceito de OSC, conforme art. 2º. da Lei 13.019/2014;
  • a importância da segurança jurídica e a necessidade de assegurar a continuidade das ações das OSC;
  • o princípio da generalidade e abstração e isonomia das normas jurídicas;
  • a relevância social e econômica das OSC;
  • a necessidade de assegurar a continuidade dos objetivos e trabalhos realizados pelas OSC, que possuem grande relevância nacional;
  • a segurança jurídica do tratamento isonômico, entre os estados-membros da federação, à defesa, proteção e incentivo às atividades das OSC;
  • que as atividades desenvolvidas pelas OSC complementam atividades desenvolvidas pelo próprio Estado, que não possui os recursos necessários à cobertura dos direitos sociais; e
  • os elevados encargos tributários que sobrecarregam inclusive as doações, sendo verdadeiro obstáculo ao desenvolvimento das atividades institucionais pelas entidades sem fins lucrativos.

a Plataforma MROSC reúne neste documento suas considerações acerca da PEC nº 14/2020.

III – DIRETRIZ PRINCIPAL:  EXCLUIR BARREIRAS À DOAÇÃO ÀS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL

A proposta da Emenda Constitucional nº 14/2020 foi apresentada em co-autoria por um representativo grupo de Senadores. Subscreveram a proposta, apresentada em 29 de abril de 2020, a Senadora Mara Gabrilli (PSDB/SP)Senador Chico Rodrigues (DEM/RR)Senador Flávio Arns (REDE/PR)Senador Weverton (PDT/MA)Senador Angelo Coronel (PSD/BA)Senadora Mailza Gomes (PP/AC)Senadora Zenaide Maia (PROS/RN)Senador Fabiano Contarato (REDE/ES)Senadora Eliziane Gama (CIDADANIA/MA)Senadora Leila Barros (PSB/DF)Senador Paulo Paim (PT/RS)Senador Jarbas Vasconcelos (MDB/PE)Senador Alessandro Vieira (CIDADANIA/SE)Senador Plínio Valério (PSDB/AM)Senador Nelsinho Trad (PSD/MS)Senadora Soraya Thronicke (PSL/MS)Senador Lasier Martins (PODEMOS/RS)Senador Jaques Wagner (PT/BA)Senador Mecias de Jesus (REPUBLICANOS/RR)Senador Marcelo Castro (MDB/PI)Senador Reguffe (PODEMOS/DF)Senadora Simone Tebet (MDB/MS)Senadora Kátia Abreu (PP/TO)Senador Jorge Kajuru (CIDADANIA/GO)Senador Randolfe Rodrigues (REDE/AP)Senador José Serra (PSDB/SP)Senadora Maria do Carmo Alves (DEM/SE).

O objetivo da iniciativa é promover uma alteração pontual no artigo 155, § 1º, da Constituição Federal, com a inserção do inciso V no dispositivo, que estende às OSC e institutos de pesquisa sem fins lucrativos a não incidência tributária ao recolhimento do ITCD nas hipóteses de doações. A proposta surge em um cenário mundial de crise política e econômica decorrentes da COVID-19, mas apresenta importância fundamental ao setor.

Em situação de normalidade, o país já enfrenta elevados encargos tributários. As OSC não fogem desse cenário, e a incidência do ITCD sobre as doações, importante fonte de recurso para manutenção das entidades, é um obstáculo ao desenvolvimento das atividades institucionais e objetivos estatutários.

A ideia central da proposta de Emenda Constitucional é fomentar a doação de recursos às OSC, que desenvolvem atividades essenciais, em complementariedade ao Estado, em especial ao atendimento à população de baixa renda. A aprovação da medida proposta no atual cenário não apenas auxiliará na manutenção dessas organizações durante o período conturbado decorrente do Covid-19, como também para a manutenção e aperfeiçoamento das atividades desenvolvidas pelas OSC.

Sabe-se que o Estado brasileiro não possui capacidade de cobertura e proteção dos direitos sociais. A atuação das entidades privadas sem fins lucrativos nestas atividades ganha relevância, ao prestarem serviços altamente qualificados, promovendo a superação de desigualdades, defesa de direitos, da democracia, a inclusão social, a saúde, educação e assistência social. Defendem, ainda, o meio ambiente e fomentam pesquisas científicas, entre muitos outros objetos sociais de interesse público.

A proposta contempla também os institutos de pesquisa, que possuem papel vital no desenvolvimento científico e tecnológico do país. A incidência do ITCD sobre essas doações recebidas de particulares gera grande desestímulo para o incentivo destas áreas de atuação.

Vale dizer que a regra vigente de tributação de doações para as organizações da sociedade civil brasileiras, em uma análise comparativa a outros países, é uma exceção no contexto global.

Conforme indicado em pesquisa organizada pela FGV Direito SP e pelo grupo GIFE[2], na qual se analisou a tributação sobre heranças e doações de 75 países, em 30 desses países (40%) havia a incidência de tributos. Apesar de a carga tributária sobre heranças e doações ser alta na maioria desses 30 países pesquisados, o estudo demonstrou que a quase integralidade desses países estabelece tratamento diferenciado quando se trata de doações destinadas às OSC. Em 24 desses países, há a garantia de isenção aos tributos cobrados. Em outros 02 países, é garantida a redução de alíquota nos casos de doações destinadas às OSC. O Brasil é uma exceção no regramento internacional conferido ao tema.

Esse estudo demonstra como a tributação das organizações da sociedade civil pelo país é contrário à quase todos os demais países, cuja legislação costuma garantir isenções às OSC. A incidência de imposto sobre doações prejudica os recursos vitais das entidades mencionadas, que poderia utilizá-los de modo mais eficiente em suas missões de relevância social.

Nesse sentido, aponta-se ainda a pesquisa realizada pelo FONIF – Fórum Nacional das Instituições Filantrópicas – FONIF, intitulada “A Contrapartida do Setor Filantrópico no Brasil”[3], que demonstra que a cada R$ 1,00 (um real) investido pelo Estado no Terceiro Setor por meio de imunidade e isenção, a contrapartida real é de R$ 7,39 (sete reais e trinta e nove centavos) em benefícios entregues à população. Tais números apontam como as OSC poderiam aplicar os valores que seriam recolhidos por meio do ITCD em benefício da sociedade.

A proposta de Emenda à Constituição Federal prevê, conforme já informado, a inclusão de um inciso V ao artigo 155, § 2º, da Constituição Federal, que passaria a ter a seguinte redação:

“Art.1º. O art. 155 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: 

I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;

(…)

  • 1º O imposto previsto no inciso I:

(…)

V – não incidirá sobre as transmissões e as doações às organizações da sociedade civil e aos institutos de pesquisa sem fins lucrativos.”

A proposta amplia as hipóteses de não incidência do ITCD nas doações realizadas para todas as OSCs e institutos de pesquisas sem fins lucrativos.

Conforme observado acima, a medida é essencial no cenário nacional atual, ao considerarmos que o Brasil é um dos únicos países do mundo que tributa as doações dirigidas às organizações da sociedade civil. As doações constituem relevante fonte de receita financeira para as entidades e a sua exoneração é fundamental para a manutenção dessas entidades e aplicação efetiva dos valores para a sociedade.

Não há que se pensar em prejuízos aos Estados por meio da presente proposta de Emenda Constitucional, e tampouco há que se falar em violação à separação de competências constitucionais. A competência em instituir o ITCD permanecerá sendo dos Estados. A PEC prevê, apenas, uma nova hipótese de não incidência tributária, que exonera as OSC e instituições de pesquisas do recolhimento do ITCD de doações recebidas. Não se está excluindo a hipótese de incidência do tributo em toda e qualquer doação, apenas há a não incidência para as OSC que tanto necessitam, em especial considerando o período de crise decorrente do COVID-19.

Ademais, a já mencionada pesquisa da FGV e do GIFE aponta que os recursos arrecadados com o ITCD – considerando tanto heranças quanto doações – correspondem a uma parcela muito pequena da receita dos estados. Na maioria dos casos, menos de 1% da receita corrente líquida.

Para o Estado de São Paulo, por exemplo, que é o maior arrecadador de ITCD do país, em 2016 a arrecadação do imposto por doações realizadas foi ínfima. Do total da arrecadação obtida com doações, apenas uma ínfima parte, equivalente a 1% do total arrecadado com ITCD – ou a 0,0168% da receita corrente líquida do Estado – refere-se a doações feitas a pessoas jurídicas. Não há distinção, nesse valor entre aquelas realizadas para pessoas jurídicas com fins lucrativos e para pessoas jurídicas sem fins lucrativos.

Evidente, assim, que os Estados não sofrerão grande perda de arrecadação com a proposta da PEC nº 14/2020.  Pelo contrário, conforme mencionado, a cada um real que o Estado deixa de tributar de uma OSC, a contrapartida social de suas ações é reverte-se à sociedade em maior proporção.

Desta forma, entende-se pela pertinência e relevância da PEC nº 14/2020, na forma apresentada.

IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a disseminação do novo coronavírus e a necessidade de adoção de medidas de garantias às organizações da sociedade civil e entidades de pesquisa, faz-se necessário eliminar barreiras às doações às OSC, com a aprovação da PEC nº 14/2020, nos exatos termos propostos, garantindo a não incidência tributária às doações realizadas às organizações da sociedade civil e entidades de pesquisa sem fins lucrativos.

A oportunidade de participar de forma direta, colaborando com o aperfeiçoamento do marco regulatório das OSCs faz parte do propósito da Plataforma MROSC. Neste momento de pandemia se faz necessário garantir o regular funcionamento das OSC, a continuidade dos empregos de seus trabalhadores/as bem como do atendimento de relevância pública que presta à população.   Renovamos nosso compromisso e disponibilidade em participar de novos debates e contribuições para essa finalidade. Reforçamos a importância de que essa construção coletiva respeite as diferenças e possibilite a participação de organizações representativas de toda a nossa diversidade.

Comitê Facilitador da Plataforma MROSC

 

Para download da Nota Técnica sobre a PEC 14/2020 clique aqui

 

[1] Mais informações no site da Plataforma MROSC www.plataformaosc.org.br – email: secretariaplataformamrosc@gmail.com

[2] CARVALHO, Pedro Andrade Costa de. Fortalecimento da Sociedade Civil: redução de barreiras tributárias às doações. São Paulo, 2019. Disponível em https://sinapse.gife.org.br/download/fortalecimento-da-sociedade-civil-reducao-de-barreiras-tributarias-as-doacoes. Último acesso em 05 de maio de 2020.

[3] Disponível em https://fonif.org.br/noticias/pesquisas/. Último acesso em 05 de maio de 2020.

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